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Durante a Covid-19, um dos setores que foram mais questionados acerca de seu modelo de negócio foram os shopping centers. Muitos afirmaram que eles seriam facilmente substituídos pelos comércios virtuais e que perderiam sua finalidade. Porém, os dados econômicos evidenciaram a força do modelo de negócio no território brasileiro.


Segundo dados do dados do censo anual da Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), o faturamento de shoppings em 2022 somou R$ 191,8 bilhões, o que representa alta de 20,5% em relação a 2021. A Associação espera crescimento de 14,6% para 2023[1].

 

            Diante desse cenário e da dinamicidade ocorrida com as oscilações das jurisprudências no período pandêmico, os advogados foram atravessados por uma série de dúvidas e questionamentos acerca dos contratos desse segmento.

 

- Os contratos de Shopping Center são típicos ou atípicos?

 

            De uma maneira geral, importante mencionar que contrato de locação de uma loja dentro um Shopping Center deveria observar os princípios previstos no Código Civil brasileiro e teria seus procedimentos regulados pela Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações). A Lei de Locação de Imóveis Urbanos determina, em seu artigo 54, que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente compactuadas nos contratos de locação respectivos”.

 

            Desse modo, ainda que se tratasse de um contrato típico, em razão da previsão expressa em lei, nos contratos de locação em Shopping Centers, devem prevalecer as condições pactuadas entre as partes. O STJ, no julgamento do Recurso Especial 178908, afirmou que "os contratos de locação de espaços em shopping center são contratos atípicos, ensejando locação de bens e serviços."

 

            Portanto, desde que não contrariem a lei, os bons costumes e os princípios gerais de direito, as partes podem se basear na lei, mas também em elementos definidos por suas vontades e interesses.

 

- As particularidades dos contratos de Shopping Centers:

 

Nessa relação comercial, é sabido que o contrato de Locação em Shopping Center terá, ao menos, os seguintes agentes: lojistas e empreendedores do Shopping Center. Eles equivalem, respectivamente, às figuras de locatários e locadores. Segundo Maria Helena Diniz[2]:

 

“O shopping center envolve um complexo organizacional relativo a sua localização, a sua viabilidade econômica, à captação de recursos, à adesão ao tenant mix por parte dos lojistas, que se subordinarão a um contrato normativo, que traça normas para seu bom funcionamento e sucesso comercial”.

 

            Sobre o empreendedor do Shopping Center, seu objetivo maior é exercer a atividade econômica e gerar riqueza. Ele projeta, executa e administra toda a estrutura formada pela organização do conjunto de lojistas, no intuito de potencializar seus lucros. Neste arranjo contratual, sua participação visa implementar o centro comercial (Shopping Center), oferecer vantagens aos lojistas e ao público, como forma de ampliar os frequentadores e, consequentemente, as vendas das lojas ali situadas.

 

            Na outra ponta, o lojista, também atento ao lucro promovido por esse arranjo estrutural, ingressa na relação contratual com o objetivo de usufruir dos benefícios do Shopping Center ao operar sua unidade comercial.

 

            Fica evidente, portanto, a coligação de contratos, com a manutenção de sua individualidade, formando tão somente uma unidade econômica. Caindo a locação, deixam de existir os demais, que restam sem objeto. Por outro lado, o lojista, também visando o lucro, ingressa nesta relação contratual para usufruir da estrutura do Shopping Center ao operar sua unidade comercial.

 

            Dentre as discussões sobre tipicidade e atipicidade, é fato que o documento basilar além do Contrato de Locação, são as Normas Gerais de Funcionamento. Nesse documento, que deve existir em todos os empreendimentos, estarão contidas em uma espécie de convenção, com o estabelecimento de regras normativas de funcionamento, vinculando todos os lojistas e os que pretendam se instalar naquele shopping center.

 

 

- Detalhes do caso

 

            Ciente das particularidades da natureza jurídica, os contratos são compostos por taxas como o aluguel mínimo mensal, o coeficiente de rateio nas despesas de custeio do shopping e o fundo de promoção. Porém, algumas decisões judiciais têm colocado em questionamento a forma de apresentação dessas obrigações.

 

            O fundo de promoção seria uma obrigação mensal do lojista para custear os gastos com publicidade. Diante da previsão contratual, a participação é obrigatória e se não o fizer pode dar ensejo a rescisão unilateral do contrato por inexecução de obrigações. Em tese, eles seriam uma associação, sem fins econômicos, instituída pelos próprios associados fundadores (empreendedores) e custeada pelos lojistas. A associação teria a finalidade de cultivar relações entre pessoas física e jurídica locatárias de lojas do shopping, promovendo troca de informações e experiência, além das taxas.

 

            No caso que analisaremos, a medida judicial se deu pela suposta falta transparência do fundo de promoção.

 

            Em recente sentença proferida pelo juiz de Direito Francisco Camara Marques Pereira, da 1ª vara Cível de Ribeirão Preto/SP, um shopping foi condenado à prestação de contas de despesas condominiais e fundo de promoção a lojista, após vislumbrar ser de direito da locatária o acesso ao destino dos valores pagos. Para mais informações, o processo tramita sob o nº 1047306-16.2022.8.26.0506.

 

            A autora ingressou com uma ação de exigir contas em face do shopping sob o fundamento de que as informações requeridas seriam essenciais, pois seriam a forma de o lojista ter conhecimento da forma como foi utilizada para realização da definição do valor da taxa condominial e do fundo de promoção. Ainda, a autora alegou que os Tribunais vêm decidindo no sentido de determinar a devida prestação de contas de maneira clara e comprovada documentalmente, sendo, para a autora, uma prestação de contas justa e coerente apenas quando há apresentação de forma transparente dos documentos fiscais hábeis a comprovar os gastos alegados.

 

            Na defesa, o shopping apresentou seu “Instrumento Particular de Cláusulas Comuns”, o qual previa a disponibilização da comprovação das despesas pagas pelos locatários pelo prazo de 60 (sessenta) dias, estando tais informações supostamente à disposição do lojista, sob a guarda do departamento de controladoria e em cumprimento ao dispositivo da Lei de Locações: “Art. 54 - § 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.”

 

            Pelo entendimento do magistrado, o réu não comprovou materialmente que tenha disponibilizado à autora as informações necessárias sobre a constituição das despesas, desatendendo a regra legal do art. 373, II do CPC, sendo certo que a forma do negócio celebrado entre as partes, não eximiria do dever de prestar as contas pedidas. Nesse sentido, condenou solidariamente os réus a prestarem as contas pedidas, limitadas ao período de vigência do contrato de locação mantido com a autora, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhes ser lícito impugnar as que esta última apresentar, de acordo como disposto no art. 550, § 5º e 551, ambos do Código de Processo Civil.

 

            Essa decisão impacta na forma de estruturação e apresentação das despesas do fundo de promoção, sendo essencial a transparência apresentada no art. 54 da Lei do Inquilinato. Em eventuais não comprovações, terá havido retirada de recursos do lojista sem respaldo jurídico, com enriquecimento ilícito dos shoppings, fato que pode prejudicar as ideias de simetria preconizadas pelo inciso III, do artigo 421-A do Código Civil.

 

 

Pedro Gabriel Romanini Turra

Advogado e Professor de Direito Empresarial em cursos de Graduação e Pós-Graduação. Mestre pelo Centro de Economia e Administração da Puc-Campinas.

 


[2]   DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol 3, 2. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1996. p. 33.



Fonte: Conjur.


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